Atualmente, os Paresi-Haliti vivem no estado do Mato Grosso (mapa 1). Distribuem-se em nove áreas indígenas, sendo sete homologadas - Rio Formoso (146 pessoas), Paresi (838 pessoas), Utiariti (249 pessoas), Estivadinho (33 pessoas), Figueiras (23 pessoas), Juininha (74 pessoas), Umutina (249 pessoas) – e duas são declaradas que aguardam homologação: Uirapuru (18 pessoas) e Ponte de Pedra (12 pessoas). As áreas indígenas do Uirapuru e Ponte de Pedra estão assinaladas com listras vermelhas no mapa 2.
A área de atuação do projeto limita-se à área indígena do Rio Formoso no município de Tangará da Serra.
Para mais informações sobre as áreas indígenas Paresi-Haliti, acesse: http://mapas.funai.gov.br
As áreas paresi cortam 7 municípios: Tangará da Serra, Conquista do Oeste, Barra do Bugres, Sapezal, Campo Novo dos Parecis, Nova Marilândia e Diamantino.
Segundo dados de Canova (2001, p.18), a Área Indígena do Formoso equivale à uma área de 19.749,47 hectares, registrada em Decreto 391/91, e localiza-se no município de Tangará da Serra. A Área Indígena de Utiariti, com uma área de 412.304,19 hectares, corta os municípios de Campo Novo dos Parecis e Sapezal. A terra indígena Estação Parecis, com área de 3.620,88 hectares, reconhecida em Portaria 666/96, fica localizada nas terras dos municípios de Diamantino e Nova Marilândia. A terra indígena Estivadinho, localizada no município de Tangará da Serra, tem 2.031,94 hectares, e foi reconhecida em Decreto S/Nº homologado em 12 de agosto de 1993. A terra indígena Paresi atinge uma área de 563.586,53 hectares, em Tangará da Serra, tendo essa área sido demarcada em 30 de setembro de 1994, registrada através do Decreto 287/91. A terra indígena Juininha conta com uma área de 70.537,52 hectares, demarcada em Decreto s/nº, homologado em 4 de outubro de 1993, e constando da Portaria 255/MJ/92, localizando-se no município de Conquista do Oeste. A terra indígena de Figueira, em terras do município de Barra do Bugres, conta com área de 9.858,92 hectares reconhecida em Decreto 63368, ho mologado em 1995. Por fim, as terras indígenas Paresi de Ponte de Pedra e Uirapuru não ainda não foram reconhecidas.
Segundo dados do site do Instituto Sócio-Ambiental, a população Paresi-Haliti total em 2008 era de 2.005 pessoas. Nesta seção, apresentaremos dados sobre a situação demográfica e educacional da população da área indígena do Rio Formoso, mais especificamente, da aldeia homônima, Formoso, que é base de atuação do projeto. As informações apresentadas têm como fonte diagnóstico sociolinguístico realizado pelo Projeto Paresi-Haliti em 2009.
Situação demográfica
Na tabela 1, apresentamos um resumo do diagnóstico sociolinguístico realizado nas cinco aldeias da área de atuação do Projeto Paresi-Haliti (cf. figura 1).
Aldeia | Sexo masculino | Sexo feminino | TOTAL | Faixa etária |
JM | 7 | 9 | 16 | 2 a 70 anos |
Jatobá | 13 | 11 | 24 | 1 a 58 anos |
Cachoeirinha | 9 | 6 | 15 | 1 a 59 anos |
Queimada | 25 | 34 | 59 | 1 a 92 anos |
Formoso | 15 | 27 | 42 | 1 a 59 anos |
TOTAL | 69 | 87 | 166 |
Tabela 1: Diagnóstico Sociolinguístico 2009 da área Rio Formoso, Projeto Paresi-Haliti
A aldeia Formoso, hoje, é a aldeia mais populosa da Terra Indígena do Formoso, com um total de 69 pessoas e se constitui como centro político, embora, ,originalmente, fosse a aldeia Queimada. A expansão para o chamado Corredor do Formoso, com sua aldeia principal homônima e pequenas aldeias, deu-se no final da década de 70 e início da década de 80, quando Antonio Zonizarece, pajé da Rio Formoso, falecido em outubro de 2011, abriu os caminhos para esses lados. Famílias provenientes da Queimada, em sua maioria, se mudaram gradativamente para a aldeia Formoso.
No início da década de 80, uma pequena escola foi criada na aldeia para atender a crescente população que passava a ocupar a área. A pequena Escola Indígena Municipal do Rio Formoso foi responsável, então, pela alfabetização de todos os habitantes atuais que receberam as primeiras letras. Atualmente, há também o programa de Ensino de Jovens e Adultos.
A língua indígena é aprendida por todos antes do português, que é introduzido mais tarde na escola, quando a criança passa a visitar com mais frequência a cidade. Mudanças recentes, como a chegada da eletricidade em maio de 2009, apontam para o contato mais precoce da nova geração com a língua portuguesa, por intermédio da televisão e do rádio.
O contexto de uso do português escrito está circunscrito ao contato com os não-índios, dentro das atividades referentes aos órgãos de intervenção e apoio oficiais, como a FUNAI e a FUNASA, e a tarefas referentes à escola. O uso do paresi escrito é legado à leitura de alguns poucos materiais de histórias existentes na língua e a bilhetes e cartas entre parentes. Podemos dizer, então, que o uso do paresi, verbal ou escrito, circunscreve-se apenas a atividades que não envolvem o não-índio.
Abaixo, apresentamos um resumo da situação demográfica da aldeia Rio Formoso.
Número de casas: São quatorze casas, sendo cinco tradicionais, considerando-se uma mais afastada no núcleo, e nove casas de material (construídas com ripas de madeira e base de tijolos). A aldeia é uma das poucas que possui Casa das Flautas, também no estilo tradicional, e a única da T.I. Formoso que possui disposição mais ou menos circular;
População total: Cinquenta e três pessoas (a escola da aldeia é a única da T.I. com Ensino undamental completo; a outra, que fica na aldeia Queimada (Koteroko), tem turmas somente até a quarta série. Portanto, não consideramos como moradores efetivos alguns jovens que estavam na aldeia Formoso apenas para completarem seus estudos);
Local de moradia e procedência: Sete pessoas já moraram na cidade, em períodos que variam de 1 mês a 5 anos. Apenas quatro pessoas nunca moraram em outras aldeias. A origem mais comum dos forâneos é a aldeia Queimada (sete pessoas), a mais antiga da T.I., cuja referência é encontrada com datas desde os primeiros registros das intervenções do SPI. Outras origens são aldeia Juba e Rio Verde, ambas situadas em outra T.I paresi;
Dados educacionais
A criação de uma escola na aldeia, na época chamada Waiakã (lugar bonito), foi em 1986 com recursos do projeto PÓLO NOROESTE. A escola era federal e foi criada com o objetivo de alfabetizar os indígenas com a oferta do Ensino Fundamental apenas da 1ª a 4ª séries. A escola era de madeira e só havia uma sala, que funcionava nos turnos matutino e vespertino. O trabalho foi iniciado por uma professora missionária. Até o início dos anos 1990, havia somente professores não-indígenas. Em 1994 havia quatro professores indígenas na aldeia Formoso. No ano de 1995, ocorreu a primeira formação de professores indígenas para o Magistério, através do projeto TUCUM. Com a conclusão do projeto, dois professores formados passaram a dar aulas na escola. Atualmente, a escola é municipal e se chama Escola Municipal de Ensino Fundamental Formoso.
Atualmente a escola oferece Ensino Fundamental completo e Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Cinquenta e sete (57) alunos frequentam a escola hoje, sendo que há oito (8) professores, cinco (5) professores indígenas e três (3) não-índios. Há quatro (4) salas de aula e uma sala de computação.
Abaixo, apresentamos um resumo da situação escolar da população, bem como o nível e contextos da língua materna e a influência de novas tecnologias.
Domínio de línguas: todos falam e entendem apenas português e paresi;
Nível de domínio da língua materna: todos os adultos entrevistados tinham o paresi como primeira língua e todos a consideraram a língua de fluência plena. Apenas uma menina, de 16 anos, não falava paresi (apesar de afirmá-lo na entrevista), pois fora criada na cidade e voltara para aldeia apenas para casar.
Nível de domínio do português: todos os adultos são falantes de português (cinco consideram que falam “pouco”; dez, que falam “mais ou menos”). O grau de domínio é um pouco menor em todas as mulheres acima de 60 anos. Observou-se que as crianças começam a aprender português entre os 5 e os 9 anos de idade.
Uso de línguas: todos afirmaram que usam sempre o paresi em casa e também em conversas entre eles na cidade (ambas as situações observadas de fato), foram também unânimes em afirmarem que usam o português apenas para a comunicação com pessoas que não falam a língua.
Alfabetização: Quatro entrevistados (com idades entre 50 e cerca de 80 anos) afirmam estar sendo alfabetizados no EJA do Formoso. O restante dos entrevistados (com idades entre 22 e 49 anos) afirma ter sido alfabetizado pela escola indígena do Formoso, criada na década de 1980. Os de alfabetização mais antiga afirmam ter recebido as primeiras letras apenas em português. Aqueles que estão sendo alfabetizados pelo EJA afirmam que também recebem treinamento na língua materna. Observou-se que as crianças, atualmente, recebem, ao menos formalmente, já que a disciplina Língua Materna é obrigatória para todas as escolas indígenas paresi, alfabetização em paresi.
Nível de escolaridade: Quatro pessoas entrevistadas estão sendo alfabetizadas, nove possuem Ensino Fundamental incompleto (apenas uma continua a estudar), uma está no segundo ano do Ensino Médio e uma possui Ensino Superior completo, realizado no Terceiro Grau Indígena da UNEMAT.
Nível de uso da língua escrita: em português, todos afirmam necessitar escrever e ler em alguns momentos específicos: quando instados a enviarem documentos para a FUNAI ou nas tarefas referentes à escola. Na língua materna, alguns afirmaram escrever bilhetes ou cartas para parentes e ler histórias antigas de alguns materiais existentes na escola. Todos afirmaram escrever melhor em português do que em haliti.
Uso de novas tecnologias: com o advento da eletricidade na aldeia em maio de 2009, todos, atualmente, possuem televisão em casa, a maioria possui rádio e DVD. Apenas jovens com menos de 25-30 anos acessam com regularidade a internet quando vão à cidade. Todos afirmaram acompanhar o jornal na televisão. A maioria também acompanha novelas.
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¹ Os paresi do Corredor do Formoso (que compreende todas as aldeias da TI, exceto a Queimada, que fica mais distante) que estão no Ensino Médio o realizam em uma escola estadual situada no Distrito de São Jorge, distante uma hora de ônibus da aldeia. A prefeitura mantém o serviço de transportes que leva e traz, diariamente, alunos indígenas do Corredor e alunos não-indígenas moradores de fazendas circunvizinhas.A história do contato entre os Paresi e os colonizadores é antiga; a primeira incursão feita pelo bandeirante Antônio Pires de Campos, no último quartel do século XVII (COSTA, 1985, produziu as primeiras notícias sobre eles. Desde então os “sertões” dos índios paresi sofreram distintas modalidades de ocupação territorial e de exploração econômica, mais intensamente no século XX. Após contatos violentos com os preadores de índios e os mineradores, que perduraram até o fim do século XIX, houve as frentes extrativas de borracha e poaia, as da colonização oficial - Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas -; as de intervenção missionária – Prelazia de Diamantino e Utiariti, South American Indian Mission (SAM) e Summer Institute of Linguistics (SIL); e, por fim, mais uma frente de intervenção oficial, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Ao longo do século XX, devido à intensidade das supracitadas incursões no território paresi, novas rotas e formas de relacionamento entre os subgrupos foram criadas. Anteriormente à força do contato e à construção de estradas e caminhos mais fáceis entre as já numerosas aldeias, a relação entre os subgrupos dava-se de maneira bastante esporádica e limitada, ocorrendo somente em situações de troca de produtos e festas. No primeiro quartel do século XX, estimava-se a existência de 12 aldeias, passando a 13 em 1971, 20 em 1985, cerca de 40 em 2007, chegando a 50 em 2010, revelando, ao contrário de uma aparente “expansão”, a intensa formação de grupos pequenos e independentes, devido a cismas internos. O casamento, originalmente entre primos cruzados bilaterais pertencentes ao mesmo subgrupo étnico, passou a se dar entre casais de subgrupos distintos. Hoje, na fala dos paresi, não há mais nenhum subgrupo “puro”, apenas “misturado”. A auto-denominação de subgrupo étnico dá-se de forma patrilinear.
O espalhamento dos Paresi em pequenas aldeias, em um território relativamente grande e descontínuo, juntamente às peculiaridades diacrônicas e sincrônicas da dinâmica social interna, teve um impacto sociolinguístico que será documentado de maneira inicial neste projeto na área indígena de sua realização. Sabe-se que há variações de cunho diatópico: pelo menos duas variantes, uma minoritária (em áreas próximas à fronteira com a Bolívia) e outra majoritária, no restante das regiões, podem ser detectadas (SILVA, 2005), além de variações de caráter geracional (SILVA, 2006). Não há ainda dados precisos sobre o nível de domínio da língua nas diferentes aldeias; sabe-se que o bilinguismo Paresi-Português é dominante e que em algumas aldeias a comunicação, mesmo entre os Paresi, se dá apenas em português.
Contudo, há sinais de uma retomada cultural e linguística. Recentemente, alguns professores indígenas se tornaram estudantes de cursos de nível superior diferenciados no projeto pioneiro do Terceiro Grau Indígena da Universidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT), atual PROESI, Projeto de Educação Superior Indígena. Esses professores interessam-se cada vez mais, junto com algumas lideranças, pelo registro e documentação de sua língua, e, com ela, do que resta de suas tradições. A observação e a discussão mais sistemáticas dos sintomas de perda de vitalidade linguística e cultural levaram professores e lideranças a solicitar a discussão da escrita em Paresi, já que somente assim será possível produzir materiais didáticos, dicionário e compilações de textos de qualidade a serem usados nas escolas indígenas, a partir de um bom trabalho de documentação.
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