Os Rikbaktsa ocupam 35 aldeias, dispostas ao longo de três municípios do noroeste do estado de Mato Grosso, a saber, Brasnorte, Juara e Cotriguaçu. Grande parte das aldeias está concentrada à margem direita do rio Juruena, com a dispersão das demais pelos rios do Sangue, Arinos e margem esquerda do baixo curso do rio Juruena. Ocupam desta forma, três Terras Indígenas - todas homologadas -, denominadas TI Erikpatsa, TI Japuíra – estas duas contíguas e à margem direita do Juruena - e a Terra Indígena Escondido, localizada à margem esquerda do baixo curso do rio Juruena, onde há uma única aldeia.
As Terras Indígenas Rikbaktsa, como grande parte do estado de Mato Grosso, encontram-se em uma região de tensão ecológica, em uma área de transição gradual entre cerrado e floresta amazônica. Ainda assim, por sua localização ao extremo noroeste do estado de Mato Grosso, podemos considerar que grande parte do território Rikbaktsa é constituído por florestas de galeria e floresta amazônica contínua. Desta forma é, indiscutivelmente, parte integrante do bioma amazônico, abrigando grande diversidade de espécies de fauna e flora. Merece destaque a informação de que Mato Grosso possui 40% da cobertura vegetal eliminada em favor de empreendimentos agropecuários. É preciso mencionar, ainda, o recente estabelecimento do controvertido complexo hidrelétrico da bacia do Juruena, com 11 empreendimentos hidrelétricos autorizados, entre pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e usinas hidrelétricas de grande porte (UHE), a despeito das constantes tentativas do Ministério Público Federal em paralisar as obras, com intuito de submetê-las a uma reavaliação de impactos ambientais, na medida em que a região abriga inúmeros povos indígenas e populações ribeirinhas.
A primeira área legalmente atribuída aos Rikbaktsa foi a Reserva Erikpatsa, localizada entre os rios Juruena e do Sangue, demarcada e homologada pela FUNAI em 1968. Foi, em grande parte, resultado de um esforço dos missionários jesuítas para concentrá-los em um único, porém, reduzido território, facilitando o acesso para a assistência, segundo o critério da proximidade ao Internato de Utiariti. Desta forma, buscam “transferir” os Rikbaktsa das várias microrregiões pelas quais se espalhavam ao longo dos rios Juruena, Arinos e Aripuanã, processo concluído no ano de 1973. A TI Japuíra, contígua à Erikpatsa, localiza-se entre os rios Juruena e Arinos, e demandou um conflituoso processo de luta, contado hoje como uma saga, pelos Rikbaktsa. A TI Escondido, a única à margem esquerda do Juruena e ainda ao extremo noroeste do estado de Mato Grosso, foi demarcada em 1998.
Os rikbaktsa têm uma população de 1.323 pessoas (Fonte: SIASI - FUNASA/MT, março/2010) . Estima-se que antes do contato, no final da década de 40, a população variava entre 400 a 500 pessoas (Dornstauder, 1975: 28). Outros autores, porém, sugerem diferentes números. Arruda, por exemplo, estima que o número de rikbaktsa era de 1.280 pessoas (Arruda,1986: 313, nota 4, apud Pacini 1999), e Pacini (1999:174), cerca de 600 pessoas. Este último autor sugere ainda que, após o contato, a população rikbaktsa tenha sido reduzida em 50% (idem:174).
Segundo a profundidade temporal permitida pelos registros, os Rikbaktsa (rikbak ‘gente’+ tsa ‘não-feminino.plural’) ocupavam uma vasta região da bacia do rio Juruena, algo entre 30 e 50 mil km², extensão que é, pelo menos, dez vezes maior do que região atualmente ocupada por suas Terras Indígenas. Sua área de dispersão, no início do século XX, configurava-se entre alguns limites determinados. Ao sul, pela barra do rio Papagaio, ponto de partida da exploração seringueira em 1952. Ao norte, nas proximidades do Salto Augusto, no alto Tapajós. A oeste, nas imediações do rio Aripuanã e a leste, até o rio Arinos, próximo ao rio dos Peixes, em área limítrofe àquela ocupada pelos índios Kayabi.
Os primeiros registros sobre os “orelhas de pau” ou “canoeiros”, como são também chamados, acontecem na década de 50, a partir dos encontros com a frente de expansão seringueira que avançava em direção ao baixo curso do rio Arinos. Desde 1952, a subvenção governamental impulsionada pelo 3° ciclo da borracha, multiplicou a construção de seringais, com suas feitorias e barracões espalhados a partir do rio Papagaio e daí ao alto curso do rio Juruena, rio do Sangue, nascente e barra do rio Arinos. As áreas de interesse, desta forma, se confundiam com o território ocupado e também disputado entre os Rikbaktsa e outras populações indígenas, como os Cinta Larga, Kayabi e Irantxe.
Em paralelo à exploração seringueira, grandes empresas visavam à povoação do noroeste do estado de Mato Grosso, como a CONOMALI, instalada em 1955. Desta forma, além de seringueiros, garimpeiros e caçadores de pele, também colonos, grande parte deles proveniente dos estados da região sul do Brasil, procuravam se estabelecer na região. Os embates eram inevitáveis. A safra principal acontecia, justamente, na época da seca, quando também os Rikbaktsa excursionavam por grandes distâncias, aumentando significativamente as possibilidades de encontros indesejáveis. Em uma região onde não havia uma atuação do órgão tutelar, os seringueiros se instalavam, eventualmente mantendo relações de “troca” relativamente pacíficas mas, na maior parte das vezes, incendiando roças e malocas, matando índios e abusando de suas mulheres.
Grandes porções de terra podiam ser arrendadas ao governo, notadamente no caso dos seringalistas. Sobrevoada a terra, caso o comprador manifestasse interesse, a venda era assegurada através de qualquer quantia que figurava como uma “entrada”. Feito isso, os trabalhos de medição eram iniciados. Ignorado o protocolo de se saber serem as terras habitadas por índios ou não, o Estado ficava desobrigado a lhes destinar área de Reserva. As múltiplas equipes de agrimensura eram forte e sofisticadamente armadas. Quase sempre encontravam aldeias, mas os índios ou se afugentavam ou eram sumariamente massacrados, sem que o governo chegasse a ser notificado de sua presença.
A ausência de resoluções oficiais em todos os âmbitos era completa. Tanto em termos fundiários e de auxílio à subsistência de postos de atração e assistência, como enquanto um possível modulador da grandeza, violência e corrupção que acompanharam o processo de colonização não-indígena de Mato Grosso. A alternativa ficava entre a expulsão dos índios de suas terras ou o seu extermínio, para o que sempre parece ter havido franca disposição. Inicialmente habitando as cabeceiras dos córregos, os diversos grupos locais Rikbaktsa foram sendo paulatinamente “empurrados” para as margens dos rios, onde também se situavam os Postos de Assistência aos quais gradativamente acorriam, principalmente em episódios de doenças.
Em 1957, em plena usurpação de suas terras, ocorreu o dito primeiro contato pacífico das equipes de atração comandadas pelo padre jesuíta João Dornstauder. É indiscutível a prevalência jesuítica através das diretrizes da Missão Anchieta e, mais ainda, nos esforços pessoais do padre João. Contudo, o contato com tantos e tão disseminados grupos não poderia ser tarefa simples. Trabalho detalhado e de longo prazo, envolveu outros personagens importantes, como Fritz Tolksdorf - alemão e um misto de comerciante e encarregado de posto, que flutuou sem consenso entre as missões jesuítica e protestante -, índios de outras etnias, colonos, comerciantes e até seringueiros.
Mais de uma década se passaria para que a pluralidade de grupos Rikbaktsa fosse convencida a se concentrar em um único e exíguo território de Reserva. O contexto de epidemias, mortes, deslocamento violento de seus territórios e a criação de novas demandas e dependência, sobretudo pelos jesuítas, mas também por seringueiros, atuaram neste mesmo sentido.
O entreposto Santo Inácio do Barranco Vermelho foi criado inicialmente com o objetivo centralizar a administração jesuítica junto aos Rikbaktsa. Primordialmente, o entreposto deveria abrigar os índios adultos, pois as crianças seriam destinadas ao internato multi-étnico de Utiariti, com intuito tanto catequéticos quanto “civilizatórios”. Além de receber àqueles advindos de aldeias atingidas por epidemias e de outros postos de assistência, o Barranco Vermelho acolhia os que retornam em algum momento do internato e se tornaria, pouco a pouco, o novo pólo da catequese jesuítica.
As tentativas de demarcar terras Rikbaktsa junto ao SPI não se tornariam efetivas por mais de uma década, quando os jesuítas negociam as terras do Barranco Vermelho e áreas circundantes, constituindo o que viria a ser a então Reserva Erikpatsa, oficializada pelo Governo Federal em 1968. A intenção era reservar os Rikbaktsa, concentrá-los cada vez mais em um território único e no qual não houvesse penetração sistemática de brancos.
Após a extinção do internato jesuítico de Utiariti as antigas orientações missionárias são mantidas através da estrutura do Barranco Vermelho. Sua rotina, organização e hierarquização traziam uma marca fortemente “aculturativa” e, em muitos sentidos, ainda mais acirrada do que acontecia na instituição. Ali, a educação escolar conduzida por jesuítas, segundo depoimentos dos próprios Rikbaktsa como de pesquisadores que viveram no Posto, a cultura Rikbaktsa era ignorada, denegrida ou reduzida a curiosidades (Hahn 1976:46). Era intensa a convivência entre índios e padres, irmãos e irmãzinhas de Jesus, voluntários que ensinavam ofícios técnicos e, ainda, não-índios adoentados, ali acolhidos pela missão.
O posto Barranco Vermelho trazia, desta forma, um diferencial importante. A doutrina jesuítica, através dele, passava a abranger a integridade da vida cotidiana dos agrupamentos e famílias Rikbaktsa ali concentrados e em seu entorno. Gradativamente fundam construções em alvenaria: dormitórios para religiosos e trabalhadores leigos, refeitório, capela, enfermaria, cozinha e escola, rua para as casas Rikbaktsa e campo de pouso. Havia criação de gado bovino e roças planejadas. Uma central de rádio se encarregava de manter contato diário com outras instituições jesuíticas. A casa dos homens (mykyry), não prevista nos planos originais, passa a existir, com compartimentos individualizados para cada jovem - alguns com portas fechadas - e posicionada ao lado da casa dos padres. Afastada das casas das famílias, solteiros, casados e viúvos não a frequentavam para atividades como a produção de flechas, plumária e outros artefatos, degustação de caças e todas as interações masculinas típicas. Eram os rapazes solteiros vindos de Utiariti aqueles que mais a utilizavam, na maior parte dos casos, para pernoitar.
Se, por um lado, segmentos divergentes passariam a se concentrar em um mesmo território, a ainda tímida tendência a separações se manifestava desde os primeiros tempos da Reserva. A recusa em viver segundo a estrutura jesuítica não é, senão, o outro lado das motivações de tal disposição dos núcleos Rikbaktsa. Nem sua presença no Barranco Vermelho fora generalizada e, como não poderia deixar de ser, tampouco a junção de seus subgrupos seria efetiva ou completamente harmoniosa.
Para muitos Rikbaktsa, ao menos inicialmente, a presença no Barranco Vermelho era eventual. Visitavam parentes, buscavam algum recurso e, notadamente, atendimento à saúde. Pequenos aldeamentos foram se espalhando pela margem direita do rio Juruena, alguns mais e outros menos subordinados aos ditames do posto jesuítico. Já em 1965 acontece o primeiro desmembramento registrado, com a criação da aldeia de Naik, chamada mais tarde de aldeia da Segunda Cachoeira.
A este propósito, Hahn descreve no início da década de 70, alguns grupos que se mantinham afastados, fora do circuito de demandas criadas pelos jesuítas, de modo a que apenas eles mesmos pudessem atendê-las (Hahn 1976:42). Outros, apesar de espacialmente separados, continuavam atrelados à orientação missionária. Este era o caso da aldeia Nova, onde o encarregado era ainda um brasileiro. Para ambos, o posto - que concentrava um número maior de índios - não poderia deixar de ser uma referência como fonte de recursos e lugar de visitações mais ou menos duradouras a parentes, como é o protocolo.
No Barranco Vermelho os alvos já não eram apenas algumas crianças e doentes fora de seu ambiente e afastados de suas parentelas, como acontecia nos internatos jesuíticos. Além da convivência interétnica e intra-tribal de grupos antagônicos e da língua portuguesa, havia a imposição de uma disciplina rígida com vistas à formação de trabalhadores e cidadãos “civilizados”. A educação monolingue em Português se somava à convivência diária e massiva com esta língua, seja no desempenho e aprendizado de tarefas, seja no atendimento à saúde e em transações comerciais. Já nesta época, como desde os primeiros contatos, a produção de artefatos plumários admitia um lugar central nas relações interétnicas. Os jesuítas criam uma cooperativa para trocas destes artefatos como de produtos de plantio e extrativismo por bens manufaturados trazidos de Cuiabá.
Gradativamente, então, o posto, com toda esta heterogeneidade, passa a ser referido como aldeia do Barranco Vermelho. Em 1977, as irmãzinhas de jesus deixam a área, e com elas parte da condução estrutural da assistência missionária aos Rikbaktsa. Este fato parece ter sido decisivo para a consolidação do estado de aldeia do Barranco Vermelho. Em 1981, o próprio Mapazazi, antes "capitão" do Barranco Vermelho, funda uma nova aldeia chamada Novo Paraíso. Em 1990, após conflitos com alguns segmentos, o último jesuíta e equipe deixam a TI Erikpatsa.
Cada vez mais os Rikbaktsa conquistariam autonomia, inclusive econômica e administrativa (Arruda 1992:192), na mesma medida em que os religiosos iam se retirando de suas aldeias. A condução do sistema de educação e sua participação no atendimento à saúde têm possibilitado uma compatibilidade cada vez maior daquelas ações com os processos usuais de socialização (idem:195).
Hoje os Rikbaktsa retomaram parcialmente a região do Japuíra e do Escondido, re-incorporadas ao seu território oficial. Há escolas na maior parte das aldeias, todas com professores exclusivamente indígenas. Observamos que muitas destas escolas foram implantadas nas estruturas dos mykyry, que existem em algumas aldeias, com função muito semelhante. Muitos velhos ou indivíduos que não se adaptaram à estrutura dos Postos, pouco falando Português, permanecem orientando aqueles mais jovens, com cantos, festas, ensinamentos sobre flechas, arte plumária, histórias e mitos. Aulas como tais podem fazer parte da programação dos professores, embora estas atividades sejam mais propriamente desenvolvidas no mykyry ou nas casas, no contato cotidiano entre aqueles que dominam estas técnicas e os que desejam aprendê-las.
Os Rikbaktsa têm duas Associações, a saber: Associação do Povo Indígena Rikbaktsa (ASIRIK) e Associação Indígena de Mulheres Rikbaktsa (AIMURIK). O Projeto de Documentação da Língua Rikbaktsa é realizado em conjunto e com a autorização de ambas as Associações.
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