Nós habitamos duas áreas demarcadas ao noroeste do Mato Grosso.
A nossa região estende-se de 12º a 7º de Latitude sul e de 57º a 59º de Longitude oeste, compreendendo a área dos formadores do rio Tapajós. Os principais formadores desse rio são o Arinos e o Teles Pires. O Arinos percorre cerca de 760 quilômetros em território mato-grossense até se encontrar com o Juruena que, após 900 quilômetros, formando a divisão dos territórios do Mato Grosso e do Amazonas, encontra-se com o rio Teles Pires, divisa natural com o estado do Pará. As cachoeiras desses rios inviabilizam a navegação.
O rio dos Peixes, onde se localiza a aldeia Mayrob dos Apiaká, é afluente do rio Arinos, e se situa na área de transição Amazônia-Cerrado e Chapada dos Parecis. Já o triângulo formado pelo baixo curso do Juruena e do Teles Pires, cujo vértice é a vila da Barra de São Manoel é chamado regionalmente de Pontal dos Apiakás, onde se situam as aldeias Apiaká denominadas Teles Pires, Minhocuçu e Mayrowy, sendo que essa última é a mais populosa. A toponímia regional, oficializada no início do século XX, consagra a ocupação tradicional apiaká, mas o território ainda não foi homologado.
Atualmente, nossa área homologada se chama Território Indígena Apiaká-Kayabi, onde temos a Aldeia Mayrob, que significa “papagaio verde”, com cerca de 250 pessoas.
Até hoje é assim: dividimos o Território Indígena Apiaká-Kayabi, mas nós permanecemos à margem direita do Rio dos Peixes e os Kayabi à esquerda. Os Munduruku moram mais abaixo, quase no encontro das águas do Rio dos Peixes com o Rio Arinos, onde circulam pelas duas margens, construindo aldeias.
É importante destacar como se dá o percurso dos rios da região ocupada pelos Apiaká: A aldeia Mayrob, onde nós moramos hoje, se situa no Rio dos Peixes que desemboca no Rio Arinos. O Rio Arinos, por sua vez, desemboca no Rio Juruena que se junta com o Rio Teles Pires para formarem o Rio Tapajós, um dos formadores do Rio Amazonas. O território compreendido por esses dois rios até o lugar onde eles se encontram, formando a ponta sobressalente do mapa do estado do Mato Grosso, é conhecido por Pontal. Então, nós consideramos que o território do Pontal, que já foi demarcado e está prestes a ser homologado, é o nosso território original.
Na Terra Indígena Apiaká-Kayabi (MT) moram cerca de 230 apiaká.
Na Terra Indígena do Pontal (PA), moram mais de 500 apiaká que esperam pela homologação desse que é o seu território original.
Nas primeiras décadas do século XX, nós morávamos em uma área chamada Anipiri de onde partíamos em longas viagens até a missão, levando carnes de peixe e de caça salgadas, tracajás, castanha, mel, peles de felinos, óleos, resinas, redes de algodão, para trocar por querosene, sal, ralador de metal, mosquiteiros, anzóis, linha de naylon, miçangas, panelas e outras coisas que aprendíamos a usar e que, embora conscientes de que mudariam nosso estilo de vida, achávamos úteis.
Nós sempre fomos um povo amistoso, somos castanheiros e grandes admiradores dos papagaios verdes, comedores naturais de castanha. Onde há castanhal, há muitos papagaios verdes. Antigamente, tentamos manter bom relacionamento com os não índios, uma vez que tínhamos interesse nas trocas que fazíamos. Porém, as condições impostas pelos contatos com outros povos e as constantes guerras travadas em busca de mais espaço, pois o nosso parecia encolher debaixo de nossos pés, fez com que os Kayabi se tornassem nossos inimigos e os Munduruku, nossos aliados.
Dizem os antigos que nós, que moramos no Rio dos Peixes, éramos um grupo com mais de mil pessoas que decidiram fugir do trabalho escravo imposto pelos 'donos' da borracha. Muitos não aguentaram a viagem e morreram; outros contraíram sarampo e também morreram. Apenas três famílias conseguiram chegar até o Rio dos Peixes, com a ajuda de um missionário, e contam que nós somos o povo Apiaká da margem direita do Rio Juruena.
Com o passar dos anos, nosso contato com os não-índios tem crescido muito, principalmente porque temos comercializado alguns produtos que extraímos de nosso território, tais como: castanha do Brasil, açaí, farinha de mandioca, peneiras artesanais, entre outros. Surgiu, então, a necessidade de criarmos uma associação para administrar as negociações entre os Apiaká e os interessados em nossos produtos. Essa associação se chama ACAIM – Associação Comunitária da Aldeia Indígena Mayrob; e é responsável por todas as atividades desenvolvidas em nossa aldeia, inclusive as atividades escolares contratadas pela prefeitura do município de Juara/MT.
Nós desenvolvemos muitas atividades do jeito que sempre fizemos e já percebemos que os negócios têm crescido e, com isso, tem surgido a necessidade de se organizar as atividades em projetos e equipes. Na área comercial, só nos falta o apoio técnico, mas nas outras áreas, como na área da língua e da cultura, por exemplo, nos falta muito mais. Por isso, nossa grande alegria aconteceu com o surgimento dos projetos do Museu do Índio/FUNAI, que contam com o importante apoio da UNESCO e da Fundação Banco do Brasil.
Para nós, o Projeto de Documentação Linguística do Apiaká, coordenado por Cilene Campetela, é um importante passo para o registro da nossa língua. Vamos falar sobre ele no próximo tópico. O fato é que entedemos que a nossa situação é bastante complexa, e foi esse nosso entendimento que levou a linguista Cilene Campetela a apresentar um outro projeto à “Lista de Salvaguarda Urgente do Patrimônio Imaterial” da UNESCO, por meio do Museu do Índio/FUNAI, para salvaguardar nossa língua e nossa cultura. Estamos no aguardo do resultado dessa candidatura, na esperança de que, em breve, se concretize mais esse Projeto.
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