Ajté Kanoeõere! Nós somos Kanoé! Pelo critério da autoidentificação etnocultural, somos uma das etnias indígenas brasileiras que sobreviveram ao processo de ocupação e colonização do território nacional feita pelos portugueses a partir do Descobrimento, em 22 de abril de 1500, e, posteriormente, após à Independência, com os sucessivos avanços da sociedade majoritária no centro-oeste e norte do País.
Nossa etnia se autodenomina Kanoé, com "é" aberto em nossa língua", mas, tradicionalmente, desde os primeiros contatos com os brancos, ditos "civilizados", esse nome tem sido escrito com "ê" fechado, ou seja, Kanoé. Além disso, não raro, nosso nome, quando adaptado à grafia da língua portuguesa, aparece escrito com "c", isto é, Canoê, como consta em documentos pessoais de muitos membros de nossa Comunidade no vale do Guaporé. Nosso nome significa “os que vieram da água, do barro”, conforme nossas narrativas míticas, ainda contadas por Francisco Kanoé.
Na ortografia que decidimos para a escrita de nossa própria língua, optamos por representar o som de [k] sempre pela letra "k", de tal modo que o nome de nossa etnia e de nossa língua foi e será sempre Kanoé, sem a necessidade de acento porque, na nossa língua, a última sílaba da palavra é sempre a mais forte. Quando adaptada à escrita do Português, respeitadas as regras de acentuação em vigor, escreve-se Kanoé, pois a palavra é "oxítona", ou seja, a última sílaba é a mais forte. Gostaríamos que isso fosse doravante respeitado, pois é nossa identidade sociocultural e etnolinguística.
Por outro lado, em muitas das fontes bibliográficas que fazem referências diretas ou esparsas à nossa etnia e à nossa língua, frequentemente somos citados também como Kapixaná ou Kapixanã, com as variações gráficas Kapichaná, Kapichanã, Kapishana. Não as reconhecemos e nem as aceitamos, porque essas denominações são equivocadas. Isso significa que, desde a época dos primeiros contatos com a civilização ocidental, fomos confundidos com uma outra etnia que habitava próxima a nós, os Kanuá, as vezes escrito Canuá ou Canoê, provavelmente um grupo de língua do tronco Tupí, da família Tuparí, hoje infelizmente já extinto. Assim sendo, essa confusão gerou e ainda gera muitos equívocos quanto à nossa língua, que, até o momento, do ponto de vista etnolinguístico, é classificada "isolada" em relação às demais línguas indígenas regionais e até mesmo em âmbito nacional.
É importante destacar que, no mapa de Victor Dequech (1942), a localização da aldeia Kanoé (escrito Canoês) se localiza exatamente na nascente do rio Omeré, ao passo que a dos índios Chapichanãs fica relativamente bem distante, na cabeceira dos rios Mutuca, Cachoeira Perdida e Borboleta, afluentes da margem esquerda do rio Apediã. Portanto, até mesmo do ponto de vista topográfico e cartográfico, não há razão para se confundir Kanoé com Kapixanã.
Gostaríamos de destacar também que já fomos referidos como "índios cabeça-seca", mas há aí outro equívoco. "Cabeça-seca" ou "cabeça-de-pedra", em Português", é o nome de uma ave da família dos ciconídeos (Mycteria americana), cuja palavra em nossa língua é "akũtsũ". Com essa palavra também denominávamos e ainda denominamos um outro povo nosso vizinho, os índios Akuntsun, porque antigamente eles usavam um corte de cabelo que deixava a testa totalmente pelada e, com isso, a nosso ver, ficavam parecidos com a ave "cabeça seca".
Nossa etnia, segundo nossa tradição
Uma vez que nossa etnia tradicionalmente se organizava pela descendência e ascendência patrilinear, ou seja, orientando-se sempre pela linhagem do pai, consideramos como sendo Kanoé os filhos de um pai legitimamente Kanoé. No caso de paternidade desconhecida ou não assumida, sendo a mãe legitimamente Kanoé, seu filho também será considerado Kanoé.
Assim sendo, em seus documentos pessoais, o sobrenome principal deverá ser sempre Kanoé. Por outro lado, embora os reconheçamos como membros de nossas famílias em particular, no caso dos filhos de mulheres Kanoé com homens de outras etnias ou raças (já que ocorreram e ainda ocorrem muitos casamentos interétnicos), também se deve seguir a patrilinearidade. Assim, esses filhos devem ser considerados como pertencentes à etnia de seus respectivos pais, mas intimamente ligados a nós por laços individuais de parentesco familiar, sendo sempre bem-vindos a nosso convívio e sempre dignos de nosso respeito.
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