A Terra Indígena Rio Gregório foi demarcada em 1983 e homologada em 1991, com área inicial de 92.859 hectares. Foi a primeira Terra Indígena a ser demarcada no Acre e é habitada pelos povos Yawanawa e Katukina-Pano. Os limites da TI foram posteriormente revistos e a portaria número 1388, publicada em 15 de agosto de 2007, no Diário Oficial da União, declara que o Ministro de Estado da Justiça,
considerando que a Terra Indígena localizada no município de Tarauacá, no Estado do Acre, foi identificada de conformidade com os termos do § 1° do art. 231 da Constituição Federal e inciso I do art. 17 da Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973, como sendo tradicionalmente ocupada pelos grupos indígenas Katukina e Yawanawá; (…) considerando que no prazo de contestação fixado no art. 2°, § 8° e no art. 9° "caput", do Decreto n° 1.775/96, não houve qualquer manifestação quanto à caracterização da terra indígena, resolve:5
Art. 1° Declarar de posse permanente dos grupos indígenas Katukina e Yawanawá a Terra Indígena RIO GREGÓRIO, com superfície aproximada de 187.400 ha (cento e oitenta e sete mil e quatrocentos hectares) e perímetro também aproximado de 239 km (duzentos e trinta e nove quilômetros).
No entanto, em 2012, a presidência da república criou uma nova etapa de reconhecimento das T.I.s, alterando o processo original de homologação, de sete fases. Segundo o artigo 231 da Constituição Brasileira de 1988, as Terras Indígenas são
as áreas habitadas em caráter permanente [pelos povos indígenas], as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
O Decreto 1775/1996, do Ministério da Justiça, estabelece que o processo de demarcação de Terras Indígenas deve ser conduzido pelo Poder Executivo, no âmbito da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Esse processo é constituído pelas seguintes fases: 1) estudos de identificação, 2) aprovação da FUNAI, 3) contestações, 4) declaração dos limites da Terra Indígena, 5) demarcação física, 6) homologação, 7) registro. A nova medida da presidente Dilma Roussef incluiu a necessidade de uma consulta prévia ao Ministério de Minas e Energia antes que FUNAI possa deliberar sobre a Terra Indígena. O resultado desse novo tratamento é que seis processos de reconhecimento de T.I.s já demarcadas, que aguardavam confirmação presidencial, voltaram ao Ministério da Justiça para reavaliação, dentre eles o da T.I. Rio Gregório. Algumas dessas T.I.s foram homologadas pela presidente em 2012 no dia Mundial do Meio Ambiente, no contexto da Conferência das Nações Unidas pelo Desenvolvimento Sustentável – Rio+20 – porém, não foi o caso da T.I. Rio Gregório. Essa medida está sendo considerada ilegal e contestada por uma série de organizações indigenistas por ir de encontro ao processo original de demarcação e homologação das T.I.s, que garante um período de contestação ao processo. Este período já foi finalizado, conforme a publicação no Diário Oficial da União, reproduzido acima. Neste momento, a questão segue em aberto, e é motivo de grande preocupação da comunidade Yawanawa.
(texto adaptado de Camargo-Tavares, 2013)
Baixe aqui o Mapa de Ocupação - Yawanawa
Com uma população de aproximadamente 565 indivíduos (Censo PRODOCLIN, 2010), a comunidade yawanawa invoca amplamente o símbolo do porco do mato (yawa ‘queixada’, nawa ‘povo’) para representar sua forma de organização: “como os queixadas, andamos sempre em bando”. Segundo dados do Instituto Socioambiental, a configuração do povo yawanawa é resultado de uma dinâmica sociológica própria de muitos grupos Pano, que incluiu “alianças através de casamentos, raptos de mulheres no contexto de conflitos bélicos, migrações de famílias” e uma série de mudanças decorrentes do contato com o homem branco, principalmente no contexto da economia da borracha na Amazônia. Assim, o povo se compõe de um conjunto que inclui membros de outros grupos Pano como Shawãdawa (Arara), Iskunawa (atualmente Shanenawa), Rununawa, Sainawa (atualmente Jaminawa ou Yaminahua), Poyanawa e Kamanawa ou Katukina (CARID NAVEIRA, 1999; PEREZ GIL, 1999).
O povo habita sete aldeias e algumas colocações na Terra Indígena Rio Gregório. Também há famílias em municípios vizinhos à T.I., principalmente Tarauacá, mas também Feijó, Sena Madureira, Cruzeiro do Sul e Rio Branco. O rio Gregório é afluente do Juruá, rio que nasce no Peru, atravessa o estado do Acre e deságua no Solimões. Subindo o Gregório a partir de São Vicente, ponto em que o rio cruza a BR 364, atingimos primeiro a aldeia Matrinxã, em seguida, a aldeia Amparo e depois a aldeia Sete Estrelas, que é onde habitam alguns Katukina. A próxima aldeia é o Tibúrcio, depois o Escondido, seguida das aldeias maiores, Mutum e Nova Esperança. Há ainda o antigo seringal Kaxinawá, hoje em dia chamado de “Aldeia Sagrada” e considerado parte da aldeia Nova Esperança. Aqui, habitam apenas duas famílias.
As sete aldeias se alinham politicamente a duas lideranças principais, que são os caciques das duas aldeias maiores, Mutum e Nova Esperança. Hoje, a liderança da aldeia Mutum é exercida remotamente por Joaquim Tashkã Yawanawa, que vive na cidade de Rio Branco, e é representado na aldeia pela irmã, Mariazinha Yawanawa. Cinco das aldeias menores alinham-se a ele. Já a aldeia Nova Esperança, onde se encontra aproximadamente metade da população da T.I., é comandada pelo cacique Biraci Brasil Nixiwaka Yawanawa. Das aldeias menores, apenas a de Amparo é sua aliada política.
Existem duas associações indígenas que representam as duas vertentes políticas. A Cooperativa Yawanawa (COOPYAWA) foi fundada em 2003, e é a ramificação comercial da OAEYRG (Organização dos Agricultores e Extrativistas Yawanawa do Rio Gregório), que foi a primeira associação, fundada em 1993. Essas organizações representam a aldeia Nova Esperança e sua aliada política, a aldeia Amparo. Já as demais aldeias, que gravitam em torno da aldeia Mutum, são representadas pela Associação Sociocultural Yawanawa (ASCY), fundada em 2008.
Os dois caciques são responsáveis pela articulação das políticas internas do povo e pelas relações exteriores, sendo esta última atribuição a característica mais marcante dos líderes yawanawa ao longo da história local. Segundo Erickson (1994, p.251), “a política externa sempre constituiu (…) um domínio crítico na área pano, em que sempre se cultivou a arte de conviver com estrangeiros”. Para gerar recursos, os caciques estabelecem parcerias comerciais tanto com o governo do Acre quanto com empresas privadas, mas atualmente, o turismo xamânico ganha cada vez mais espaço e, certamente, é uma das principais fontes de recursos para as associações. Todo ano, um grande festival de cultura com duração de 5 dias é realizado na aldeia Nova Esperança durante o mês de outubro. Os Yawanawa se vestem e se pintam à moda tradicional, realizam rituais de uni (ayahuasca), brincadeiras, cantos e danças à moda antiga. O evento está crescendo, e a cada ano recebe mais visitantes. Dentre eles estão representantes de outros povos indígenas, indigenistas, políticos, autoridades locais e muitos turistas do Brasil e do mundo. Um festival semelhante, porém de proporções menores, também vem sendo realizado na aldeia Mutum e ficou conhecido como “Manifestação da Cultura Yawanawa”.
(texto adaptado de Camargo-Tavares, 2013)
Os Yawanawa estão em contato com o homem branco há um século, um contato motivado pela economia da borracha. Segundo os Yawanawa, os primeiros contatos aconteceram quando eles se deslocaram para algum lugar entre os rios Gregório e o Tarauacá, onde o célebre seringalista cearense Ângelo Ferreira os encontrou. Ângelo estabeleceu com os Yawanawa uma relação de trabalho e se tornou patrão desses e de outros grupos indígenas, até ser morto por seus peões índios.
Foi a antiga liderança de Antonio Luiz, e seu primo, então jovens “índios brabos”, que iniciaram um contato mais constante com os barracões colocados no Gregório para explorar a borracha. Segundo contam, os dois entraram no barracão do Seringal Caxinauá carregando um veado, que trocaram por farinha. Deste ato se iniciou um conjunto de trocas, que acabou convertendo Antonio Luiz em líder e mediador da relação com os brancos. Esta relação é pensada pelos Yawanawa como uma relação de certo modo pacífica: o modo de contato empreendido por Antonio Luiz condicionou as relações com os brancos, tornando-as mais tranquilas e domesticadas do que a relação dos brancos com outros povos indígenas no Acre. Segundo os velhos yawanawa, o contato com os caucheiros peruanos foi mais violento (Carid Naveira, 1999). Desde esse contato, os Yawanawa passaram a se relacionar mais constantemente com os brancos, com suas mercadorias e com a sua língua, uma relação sempre mediada pelo líder Antonio Luiz.
A partir da década de 1970, os Yawanawa passaram a participar de projetos de educação formal, conduzidos por missionários do grupo evangélico Novas Tribos do Brasil. O modelo de escola proposto pelos missionários baseava-se na centralidade de um professor branco que trabalhava a alfabetização em língua indígena através de cartilhas produzidas para esses fins. Como em outros casos, a primeira grafia dessa língua indígena foi estabelecida nesse contexto de ensino proselitista, como passo necessário para a conversão religiosa.
Na década de 1980, os Yawanawa se organizaram para expulsar de suas terras os funcionários da madeireira Paranacre (empresa que, com o declínio da economia da borracha, comprara os antigos seringais para explorar madeira e pecuária) e os missionários da Novas Tribos do Brasil. É desta época, o início da organização protagonizada por jovens lideranças, que participavam de cursos de formação de professores e de agentes de saúde promovidos por instituições indigenistas (como a Comissão Pró-Índio do Acre). Sua terra indígena, que é dividida com os Katukina, foi a primeira a ser demarcada no Acre, em 1984.
Nos anos 90, mais especificamente a partir da ECO-92, os Yawanawa estabeleceram uma parceria comercial com a empresa de cosméticos norte-americana Aveda que implantou na terra indígena um projeto para a produção e venda de urucum. Neste período, os Yawanawa deixaram o antigo seringal Caxinauá e se mudaram rio abaixo, onde foi aberta uma grande aldeia, Nova Esperança. Data deste período também a criação da Organização dos Agricultores Extrativistas Yawanawa (OAEYRG) que durante mais de uma década foi a única associação representante deste povo. Desde então, os Yawanawa têm trabalhado para promover o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida dos habitantes da terra indígena, também através de projetos que visam a revitalização de sua língua e cultura.
Nesse contexto de “resgate cultural”, em 2002, foi realizado o primeiro Yawa – Festival de Cultura Yawanawa”. Realizado todos os anos durante o verão na aldeia Nova Esperança, trata-se de uma semana de festividades em que os Yawanawa se vestem e se pintam à moda tradicional para celebrar as antigas “brincadeiras” e rituais. Através dos festivais de cultura, muitas crianças e jovens yawanawa estão tendo contato com essas práticas pela primeira vez, pois durante muito tempo, elas foram deixadas de lado devido ao forte preconceito por parte dos brancos (missionários, seringueiros). O evento está crescendo, tem se tornado mais conhecido a cada ano e recebido cada vez maior número de visitantes, entre representantes de outros povos indígenas, indigenistas, políticos , autoridades locais e, muitos turistas do Brasil e do mundo. De forma semelhante, a Associação Sociocultural Yawanawa também vem promovendo seu próprio festival independente na aldeia Mutum durante o verão.
Veja o Mapa Histórico Yawanawa
Atualmente, há duas associações yawanawa: a OAEYRG/COOPYAWA e a ASCY. A Organização dos Agricultores e Extrativistas Yawanawa do Rio Gregório (OAEYRG) foi fundada em 1993, no início do Projeto Urucum, apoiado pela empresa de cosméticos norte-americana Aveda. Em 2003, foi fundada a Cooperativa Yawanawa (COOPYAWA) que vinha a ser o “braço” comercial da OAEYRG. Durante quinze anos, esta organização representou todos os yawanawa. Ultimamente, entretanto, este povo vem passando por um processo interno de reorganização social que culminou na fundação, em 2008, de uma segunda associação, a Associação Sociocultural Yawanawa (ASCY).
A OAEYRG representa as aldeias Nova Esperança e Amparo, enquanto a ASCY representa as demais aldeias: Mutum, Escondido, Tibúrcio, Sete Estrelas e Matrinxã. A primeira é liderada por Biraci Brasil Nixiwaka e a segunda por Joaquim Luís Tashka. Ambas associações têm trabalhado no sentido de fortalecer a cultura yawanawa e buscar mecanismos para os projetos sociais e econômicos das comunidades por elas representadas. Ultimamente, as duas associações têm fomentado o turismo ecológico nas aldeias, recebendo pequenos grupos de pessoas interessadas em conhecer de perto o cotidiano e a cultura yawanawa.
A OAEYRG tem um escritório em Tarauacá (telefone de Nova Esperança: 68-3469-1000). A ASCY tem um site na internet: http://www.ascyawanawa.com.br. Além desse site, a liderança Joaquim Tashka mantém um blog na internet: Yuxinawa: A tribo da imagem e do som.(www.awavena.bolog.uol.com.br).
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