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Etnias

Jornal - Estado de São Paulo

Entrevista com o diretor do MI

Entrevista: José Carlos Levinho, diretor do Museu do Índio
07/10/11

José Carlos Levinho é antropólogo com especialização em línguas indígenas brasileiras e Diretor do Museu do Índio/FUNAI. Nesta entrevista, Levinho fala das ameaças que rondam as mais de 160 línguas faladas no Brasil e apresenta o Programa de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas, realizado pelo Museu do Índio em parceria com a Fundação Banco do Brasil. 

1) Qual a importância de se documentar línguas indígenas? 
O Brasil possui uma grande diversidade lingüística e cultural que precisa ser melhor conhecida, documentada e preservada. Este patrimônio encontra-se sob ameaça de desaparecer, em grande parte, no decorrer desse século. Quando uma língua morre, morrem os conhecimentos por ela veiculados e transmitidos de geração a geração, inclusive conhecimentos cosmológicos, ecológicos, da flora e da fauna, bem como indícios sobre a pré-história indígena, informações sobre as estruturas e as funções das línguas humanas de modo geral. Para qualquer povo - do mais ao menos numeroso - a língua representa um elemento vital; sua morte é uma perda irrecuperável. A valorização e preservação das línguas é um direito universal que devemos reconhecer e defender, portanto, a documentação exige um esforço imediato e coletivo.

A documentação lingüística desenvolvida hoje é uma área de pesquisa em pleno crescimento, que mantém laços interdisciplinares (etnologia, arqueologia, história, etc.) e com o desenvolvimento de tecnologias de ponta. Graças a estas, são produzidos acervos digitais multimídia (gravações áudio e vídeo anotadas, imagens, mapas, documentos textuais, etc.) que contêm dados preciosos assim preservados. A documentação torna tais materiais accessíveis às comunidades indígenas e às futuras gerações de brasileiros. Portanto, a documentação é importante para tentarmos proteger, reforçar e revitalizar as muitas línguas e culturas nativas ainda existentes no Brasil.

2) Quantas são as línguas indígenas faladas no Brasil? Vinculadas à quais famílias linguísticas? 
Em 1500, no Brasil, existiam provavelmente 1.200 línguas; hoje, são aproximadamente 225 povos indígenas falando cerca de 160 línguas. Observamos que estes números são ainda estimativas; não temos informações sobre muitas populações indígenas e há menos informação ainda sobre o número de falantes de cada língua. Do total das 160 línguas, 21% correm o risco de desaparecer imediatamente por causa do baixo número de falantes e da sua baixa transmissão. As línguas indígenas no Brasil são diferentes entre si por pertencerem a 2 troncos lingüísticos (Tupi e Macro-Jê), 40 famílias e mais de 10 línguas consideradas isoladas.

O Tronco Tupi abriga várias famílias de línguas: Tupi-Guarani, Arikém, Aweti, Juruna, Mawe, Monde, entre outras. No Tronco Macro-Jê estão as famílias Bororo, Krenak, Guato, Jê, Karaja, Maxakali e outras. Entre as línguas isoladas temos Trumai, Pirahã, e Jabuti. Essa grande diversidade lingüística e cultural representa uma riqueza imensa e um patrimônio a ser valorizado e preservado. O tamanho dos grupos indígenas varia bastante.

Alguns grupos indígenas têm populações grandes, como os povos Mundurukú (±7.500 no Pará), Xavante (±10.000 em Mato Grosso), Makuxi (±16.500 em Roraima) e o maior de todos, os Ticuna (mais de 30.000 no Amazonas). Muitos outros grupos, como os povos Poyanáwa, Arikapú, Mondé, Xipaya, Kuruáya e Guató, são bem pequenos, com menos de cinco falantes sobreviventes. Na média, os povos indígenas do Brasil têm menos de 200 falantes.

3) Comente sobre línguas indígenas brasileira ameaçadas de extinção. 
O Brasil, como muitos outros países, corre o risco de perder uma parte essencial de sua riqueza lingüística e cultural (patrimônio imaterial). Várias ameaças pairam sobre a diversidade lingüística nativa. Mesmo as línguas ‘estáveis’ estão ameaçadas: o Português ocupa novos e velhos domínios na educação, na saúde, na comunicação com os ‘brancos’, na comunicação intra e intergrupos; os gêneros de discurso, tradicionais e cruciais para a transmissão cultural, estão desaparecendo (cantos, discursos rituais, rezas, narrativas, etc.). O grande movimento de jovens para as cidades em busca de alternativas econômicas é, também, uma ameaça. Os grupos indígenas são marginalizados social e economicamente. As línguas minoritárias são submetidas à pressão social, política e religiosa, ou até à repressão declarada. Ainda são vistas como inferiores e como obstáculo para a ‘integração’. Somam-se a esse quadro, a falta de escolaridade em línguas indígenas e a exclusão das mídias, uma vez que é o idioma nacional que as domina (televisão, rádio, internet, imprensa, etc.).

Pela falta de uma fonte de informação segura acerca do numero de falantes das línguas ainda existentes no Brasil, muitas estão agonizando, desaparecendo sem mesmo terem sido registradas. Entre as línguas declaradas extintas, podemos citar as dos povos Maku (língua isolada) – nenhum falante entre os 2.603 indivíduos que vivem no estado de Roraima; Umutina (família linguistica Bororo) – nenhum falante na população de 392 pessoas que habitam no Mato Grosso; e Apiaka. Esta última, pertencente à família linguistica Tupi-Guarani e uma das que estão sendo documentadas por meio do Prodoclin, entrou, recentemente, para a lista das línguas extintas. O último falante fluente, Sr. Pedrinho Kamassuri, 70 anos, faleceu em abril de 2010, vítima de pneumonia e tuberculose. A população Apiaká soma 230 indivíduos que vivem no estado de Mato Grosso.

4) Quais as principais ações do projeto? Em que terras indígenas estão sendo implementadas?
O Projeto de Documentação de Línguas Indígenas - PRODOCLIN - visa promover a documentação de línguas e culturas indígenas, ampliando as possibilidades de sua salvaguarda. Entre suas principais ações estão a formação de pesquisadores indígenas e não indígenas para consolidação da documentação línguistica e cultural no Brasil; a criação de arquivos digitais em centros de documentação nas áreas indígenas, nas aldeias e no Museu do Índio; e a introdução de novas tecnologias digitais e novas metodologias de documentação.

Atualmente o PRODOCLIN promove a documentação de 13 línguas indígenas, a saber: 

POVO LÍNGUA LOCALIZAÇÃO 
Apiaká Tupi-Guarani MT 
Desano Tukano AM 
Ikpeng Karib MT 
Kanoé isolada RO 
Kawaiwete Tupi-Guarani MT 
Karaja Macro-Jê MT 
Kisêdjê Macro-Jê MT 
Paresi-Haliti Arawak MT 
Maxakali Macro-Jê MG 
Ninam Yanomami RR 
Rikbaktsa Macro-Jê MT 
Shawãdawa Pano AC 
Yawanawa Pano AC

Na primeira fase do programa, as 13 equipes do PRODOCLIN realizaram 17 viagens, 711 dias de trabalho de campo em terras indígenas situadas no Acre, Amazonas, Mato Grosso, Minas Gerais, Rondônia e Roraima no total de 54 aldeias abrangendo a população de 12.785 pessoas, direta ou indiretamente beneficiadas pelo projeto. No período, 25 pesquisadores indígenas foram capacitados em métodos e tecnologias de documentação lingüística. Todos os materiais resultantes das viagens a campo são capturados, digitalizados e arquivados pelas equipes de audiovisual e tratamento documental do Museu do Índio.

Os números do PRODOCLIN

1ª. Fase 2009/2010
Total de fitas de vídeo: 271
Total de arquivos de áudio: 3.963
Total de fotos: 29.337

5) Quais os resultados mais impactantes até agora verificados? 
Um dos pontos positivos a ser observado é o grande envolvimento da comunidade com o desenvolvimento do Programa. Hoje, a grande maioria dos pesquisadores indígenas, integrantes das equipes dos projetos, domina o uso dos equipamentos de áudio e vídeo, assim como, os programas para a documentação lingüística usados para transcrever, traduzir e anotar os materiais em áudio e vídeo (narrativas, entrevistas, elicitações de dados lingüísticos, sessões procedurais – o passo a passo de técnicas de produção) registrados por eles durante suas atividades em área.

O Programa de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas – PROGDOC é estruturado em três eixos: Prodoclin - projetos de documentação de línguas indígenas, Prodocult – projetos de culturas indígenas e Prodoc Acervo - projetos de acervo. O PRODOCULT, atualmente, promove a documentação de 17 culturas, conforme apresentado na tabela abaixo:

POVO LOCALIZAÇÃO 
Asuriní do Xingu PA 
Baniwa AM 
Guarani Mbya RJ 
Kayapó PA 
Maxakali MG 
Munduruku PA-AM-MT 
Nambiquara MT 
Paresi MT 
Pataxó BA 
Povos do Oiapoque PA 
Rikbaktsa MT 
Ticuna AM 
Tiriyó e Kaxuyana PA 
Tupiniquim ES 
Wajãpi AP 
Wayana e Aparai PA 
Xavante MT


Realizados em parceria direta com os povos indígenas, todos esses projetos – PRODOCLIN E PRODOCULT – já possibilitaram a documentação e o registro de aspectos específicos de 31 culturas. Como produtos desse trabalho, foram produzidos exposições, publicações, sites e arquivos digitais multimídia, além de dossiês dos registros e acervos que já foram entregues às comunidades Xavante, Ikpeng, Rikbaktsa, Paresi, Wajãpi, Maxakali e Kanoé. Todo o material, validado e qualificado por mestres e especialistas de cada comunidade, é disponibilizado para uso em escolas e centros de documentação nas aldeias e terras indígenas.

Os trabalhos desenvolvidos no âmbito do PROGDOC estão consolidando um amplo acervo digital, em segurança no Museu do Índio/FUNAI, que garante a disponibilidade de materiais de qualidade, mesmo daqui a 20 ou 50 anos. Para todos os materiais, são definidas regras de acesso que podem incluir restrições diferenciadas, respeitando os direitos intelectuais e de imagem, bem como as decisões dos falantes, levando-se em conta, por exemplo, conteúdos cultural e pessoalmente sensíveis.

Os números dos resultados já alcançados (dados de janeiro/2011) são os seguintes: 493 horas de filmagens de vídeo – sendo 413 já capturadas digitalmente; 5.612 arquivos sonoros – 321 horas de gravações de áudio; 50.017 fotografias; 49 oficinas nas aldeias e sete no Museu do Índio. São 105 aldeias abrangidas, beneficiando uma população superior a 27 mil pessoas. Hoje, os pesquisadores indígenas treinados nas oficinas do PROGDOC, e dispondo de filmadora e computador, estão produzindo grande quantidade de material por sua própria iniciativa.

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